APURINÃ
Nomes alternativos:
Ipurinãn, Kangite, Popengare
Ipurinãn, Kangite, Popengare
Classificação linguística: Arawak
População: 2,000 (1994 SIL)
Local: Amazonas, Acre; espalhados sobre 1600 quilômetros do Rio Purus, de Rio Branco até Manaus
"QUEM É O DEUS DE VOCÊS?
NÃO SEI.
NÃO SEI.
Só sei que o nome dele é TSORA".
Artur Brasil Apurinã, Mũpuraru, Artur Pajé, assim fala de Tsora, ou, como ele traduz: Deus, Jesus. Tsora é o criador de todas as coisas que tem na terra e é por isso chamado de Deus, em português.
A história de Tsora, história do começo do mundo, do começo de tudo, em suas muitas versões sempre se inicia por Mayoroparo, ou “depois que a terra incendiou”.
Mayoru é urubu e Mayoroparo é uma mulher monstruosa, uma velha que comia os ossos das pessoas desobedientes (que tem ossos moles) e guardava os dos obedientes para maniva de mandioca e batata, no começo do mundo.
Tsora é filho de Yakonero. Alguém dormia com Yakonero todas as noites. Querendo saber quem é o visitante, ela suja as mãos com jenipapo e passa em suas costas. No dia seguinte é o katokana (canudo de rapé) do pajé que aparece preto. Então, Yakonero é expulsa.
No caminho para a casa de seus parentes, seu filho, então no seu ventre, pede várias coisas. Ela, irritada, bate na barriga. Ele, por pirraça, troca a indicação para a casa, o que a faz parar nos Katsamãũteru.
A velha, que lá mora, a esconde no jirau, e dá uma cuia para Yakonero – já grávida e por isso com vontade de cuspir – que cospe até que a cuia transborda, fazendo os homens perceberem sua presença.
São gerados quatro filhos de Yakonero, no galho de algodão. Tsora é o menor, o mais fraco, porém o mais engenhoso e poderoso. Os irmãos vingam matando, com armadilhas, um a um, os matadores de sua mãe.
A origem de tudo que existe, hoje, é compreensível por esta história: a origem do tamanho da castanheira, a origem da resina, da cor do quatipuru, a existência de vários peixes, como o surubim, o caparari, e a origem, também, da vingança.
Tsora criou as pessoas e os diferentes tipos de pessoas, os diferentes povos: Apurinã, brancos, outros índios. Fez aos povos vários testes, nos quais os Apurinã sempre saíram pior do que outros índios e do que os brancos. Por isso, dizem os narradores, apesar dos Apurinã serem “o melhor que tem”, são poucos e divididos.
Outra história muito importante para explicar os Apurinã, hoje, é a da Terra Sagrada e dos Otsamaneru. Os Apurinã eram imortais, e moravam em uma terra onde nada adoecia, estragava ou morria.
Vinham com os Otsamaneru, migrando de uma terra de imortalidade para outra. Eles, entretanto, se encantaram em demasia com as coisas da “terra morredoura”, entre as terras sagradas, e aí permaneceram.
Os Kaxarari são freqüentemente apontados como os companheiros dos Apurinã nesta viagem. Segundo alguns relatos, viriam os três povos: Kaxarari, Apurinã e Otsamaneru. Os Kaxarari teriam se encantado primeiro com as frutas da “terra morredoura”, os Apurinã em seguida e os Otsamaneru teriam seguido viagem.
RITUAL XAMANISMO...
As festas Apurinã, que recebem o nome genérico de Xingané (em Apurinã, kenuru), incluem desde pequenas cantorias noturnas até grandes eventos, com convites para muitas aldeias, farta comida, vinho de macaxeira, banana, patauá e combustível para os participantes.
Em algumas ocasiões são feitas festas para acalmar a sombra de um morto, na seqüência e nos anos seguintes do falecimento (neste caso, de acordo com Abdias, morador da Água Preta, o nome da festa seria isaĩ).
O Xingané inicia como um ritual de confronto. Os convidados chegam armados, pintados e enfeitados pela mata. Vêm gritando. Os da casa vão encontrar, também armados.
Quando se encontram, avançam os líderes, iniciando uma discussão (em português denominam esse diálogo de cortar sanguiré, em Apurinã, katxipuruãta) rápida e alta, com as armas sempre apontadas para o peito um do outro.
Atrás deles encontram-se os acompanhantes, de prontidão, com suas armas também apontadas para os que discutem. Quando abaixam a voz, abaixam também as armas e os líderes tomam rapé na mão um do outro.
No início da discussão, afirma-se que não se conhece o outro e perguntam quem ele é. Vem, então, o sanguiré, uma fala pessoal, sempre encerrada com a afirmação de quem se é filho e neto. Camilo Manduca Apurinã resume assim:
“Quando corta Sanguiré tem que lembrar nome do pai, da mãe, do avô. O que deseja dizer, diz na ocasião de Sanguiré. O que está passando, tem que descobrir na hora do Sanguiré”.
Uma festa já não praticada, mas considerada muito importante é a dos Kamatxi. Esta festa contava com a presença dos Kamatxi, seres que moram em buritizais e que vinham por ocasião da festa. Eram utilizadas flautas e as mulheres ficavam encerradas em uma casa, não podendo ver nada.
XAMANISMO
O princípio das doenças e da cura do “Pajé” (meẽtu) Apurinã são as pedras. A pedra é, ao mesmo tempo, o que lhe permite curar e o que lhe permite causar doenças e matar.
Segundo vários relatos, na iniciação do pajé, o primeiro passo deve ser passar meses na mata, jejuando, ou comendo muito pouco e mascando katsowaru.
Também se deve evitar relações sexuais. Quando o pajé recebe uma pedra, ele a introduz no corpo e assim vai introduzindo todas as pedras que recebe ou que, no futuro, vai tirar do corpo dos doentes.
Também se deve evitar relações sexuais. Quando o pajé recebe uma pedra, ele a introduz no corpo e assim vai introduzindo todas as pedras que recebe ou que, no futuro, vai tirar do corpo dos doentes.
Um pajé cura utilizando katsoparu, folha que se masca, e Awire, Rapé. O pajé tem o seu próprio katsoparu e Awire, mas a pessoa que solicita a cura, em geral, é responsável por providenciá-los para a ocasião.
O pajé deve mascar o katsoparu e tomar muito rapé. Às vezes, a cura é feita de forma privada, na casa do doente; mas, muitas vezes, todos conversam, mascam, até que o pajé dê início à sessão. Ele cura chupando o local. Muitas vezes, mostra a pedra e explica qual a doença, como o doente a adquiriu e o que deve fazer.
Explica se é feitiço ou ação de um bicho da mata. Ele introduz a pedra no corpo e pode, então, recomendar remédios ou tratamentos. Os remédios em geral são plantas, mas podem ser também remédios industriais, de farmácia.
Um dos problemas mais comuns para um pajé resolver são os bichos que puxam, levam consigo o espírito de crianças. Há uma série de alimentos que o pai e a mãe devem evitar quando a criança é ainda pequena – até que ela tenha cerca de dois anos.
Os principais são os peixes e caças de grande porte, mas também feijão, cachaça, coco, abacaxi, katsoparu, manga. Esses últimos não levam a sombra, mas prejudicam a saúde da criança, uma vez que, pelo leite da mãe, ela absorveria o alimento.
Durante a noite, o espírito do pajé vai resgatar a sombra da criança. Este movimento é perigoso. Se for um pajé fraco, pode, por exemplo, ficar preso na entrada de um buraco de peixe e morrer. O pajé chega com chuva e trovão, momento em que a criança respira novamente.
Os pajés Apurinã trabalham com sonhos. Neles, seu espírito sai, visita outros lugares, cumpre tarefas. Outros espíritos guiam o pajé nestas jornadas: os bichos, ou chefes de bichos (hãwite) com quem trabalha. Cada pajé possui o seu, ou os seus: onça, cobra, mapinguari...
Outro problema comum, em crianças e em adultos, são as flechadas de “bichos”, “flechadores” (kĩpuatitirã). Trata-se dos “chefes” (hãwite). Um varador novo é especialmente perigoso.
Banha-se as crianças com a planta pipioca (kawaky) como prevenção, ou uma mulher espirra o leite de seu peito. As crianças são as menos resistentes aos flechadores, podendo morrer em decorrência destes ataques.
Banha-se as crianças com a planta pipioca (kawaky) como prevenção, ou uma mulher espirra o leite de seu peito. As crianças são as menos resistentes aos flechadores, podendo morrer em decorrência destes ataques.
De acordo com Otávio Avelino Chaves (Atokatxu), chefes de espécies animais são pajés, pelo menos é nesta qualidade que conversam com os pajés humanos. Uma das funções do pajé é dominar, controlar estes seres: fazer, por exemplo, com que parem de “assombrar” ou que as cobras parem de picar.
O que outros vêem como bichos, o pajé vê como gente e, alguns, como sua família. Os pajés defendem a sua comunidade contra pedras de inimigos humanos e protegem e remediam os ataques de seres da mata.
Os pajés visitam várias terras, embaixo da terra onde se mora, embaixo do rio, até mesmo o céu, onde está Tsora - se forem fortes. Quanto mais forte é o pajé, menos limites há para o seu espírito. Se é assim em vida, em morte também o é. Os pajés não morrem, alguns falam, se encantam. No momento da sua morte, ouve-se um estrondo.
Na morte de pajés antigos, eles davam instruções precisas de como queriam ser enterrados para que pudessem sair dos seus túmulos.
Em alguns casos, os túmulos dos pajés permanecem limpos. Em outros, conta-se que eles são vislumbrados entre bandos de animais, como queixadas. Na sua maioria, entretanto, vão para a Terra Sagrada.