BANIWA
Nomes alternativos: Baniva, Baniua, Curipaco
Classificação lingüística: Aruak
População: 5.811 (Dsei/Foirn – 2005)
Local: Amazonas
Os Baniwa vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no Alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM).
Já os Kuripako, que falam um dialeto da língua Baniwa, vivem na Colômbia e no Alto Içana (Brasil). Ambas etnias aparentadas são exímias na confecção de cestaria de arumã, cuja arte milenar lhes foi ensinada pelos heróis criadores e que hoje vem sendo comercializada com o mercado brasileiro.
Recentemente, têm ainda se destacado pela participação ativa no movimento indígena da região. Esta corresponde a um complexo cultural de 22 etnias indígenas diferentes, mas articuladas em uma rede de trocas e em grande medida identificadas no que diz respeito à organização social, cultura material e visão de mundo.
Na cosmologia Baniwa, o universo é composto por múltiplas camadas, associadas a várias divindades, espíritos, e "outra gente".
De acordo com o desenho de um Pajé Hohodene, o cosmos é basicamente composto por quatro níveis: Wapinakwa ("o lugar de nossos ossos"), Hekwapi ("este mundo"), Apakwa Hekwapi ("o outro mundo") e Apakwa Eenu ("o outro céu").
Um outro pajé elaborou um esquema mais complexo ainda, consistindo de 25 camadas: 12 de baixo da terra, e 12 acima. Cada uma das camadas debaixo da terra é habitada por "gente" com características distintas (gente pintada todo de vermelho, gente com boca larga etc.).
Acima da camada do nosso mundo são os lugares de diversos espíritos e divindades relacionados aos pajés: espíritos-pássaros que ajudam o pajé em sua procura de almas perdidas; o Senhor das Doenças, Kuwai, que o pajé procura para curar as doenças mais graves; os pajés primordiais e Dzulíferi, o Senhor de Pariká e tabaco; e finalmente, o lugar do Criador e Transformador Nhiãperikuli, ou 'Dio' que é um paraíso, a fonte de todos os remédios, onde mora também o gavião real, Kamathawa, o querido de Nhiáperikuli.
A cosmogonia Baniwa (isto é, o tempo do começo do mundo) é composta por um conjunto complexo de mais de 20 mitos protagonizados por Nhiãperikuli, iniciando com o seu aparecimento no mundo primordial e terminando com sua criação dos primeiros antepassados das Fratrias Baniwa e seu afastamento do mundo.
Mais do que qualquer outra figura do panteão Baniwa, Nhiãperikuli foi responsável pela forma e essência do mundo, razão pela qual pode ser considerado o Ser Supremo da religião Baniwa.
O nome de Nhiãperikuli significa "Ele dentro do osso", referindo-se à sua origem. Resumindo a história, no começo do mundo, tribos de animais selvagens andavam devorando pessoas. Um dia o chefe dos animais pegou um osso do dedo de uma dessas pessoas devoradas e o jogou rio abaixo.
Uma velha estava chorando pela perda de seus parentes; então o chefe mandou-lhe buscar o osso no rio. Tinha três pequenos camarões dentro, que ela catou e levou para casa. Lá eles se transformaram em grilos. Ela deu-lhes comida e eles começaram a cantar e crescer. Depois ela os levou para a roça e deu-lhes novamente comida.
Eles continuaram se transformando, crescendo e cantando, até que apareceram como gente: três irmãos chamados Nhiãperikunai ("Eles dentro do osso").
A velhinha os advertiu para que ficassem quietos, mas eles começaram a transformar tudo e assim eles fizeram o mundo. Quando terminaram, voltaram para se vingar dos animais que mataram seus parentes.
A história conta então uma série de atos de vingança em que os heróis acabaram restabelecendo a ordem no mundo. Entretanto, depois de um tempo, o chefe dos animais - querendo matar os três irmãos - fez uma roça nova e chamou os irmãos para queimá-la.
Enquanto eles iam para o centro da roça, o chefe tocou fogo nas bordas. Mas os irmãos fizeram um pequeno buraco numa árvore de ambaúba, entraram e o tamparam.
Quando o fogo (descrito no mito como uma conflagração que queimou o mundo inteiro) se aproximou, a ambaúba estourou e os três irmãos saíram voando, salvos das chamas e imortais. Desceram no rio, sopraram sobre o chefe dos animais, e lá tomaram banho.
Neste resumo, percebe-se que a situação do começo é de caos e catástrofe e, na mitologia Baniwa, há outras situações semelhantemente catastróficas, que também representam um prelúdio para uma nova ordem, quando as forças caóticas seriam dominadas.
Aqui, o osso é o veículo simbólico dos seres que recriaram a ordem neste novo mundo. Porém, a destruição catastrófica do mundo ainda permanece como possibilidade efetiva. Quando o mundo estiver infestado por um mal insuportável - como é representado nos mitos - as condições serão então suficientes para a destruição e a renovação.
O segundo grande ciclo na história do cosmos diz respeito aos mitos de Kuwai, que têm importância central na cultura Baniwa, explicando pelo menos quatro questões maiores sobre a natureza do mundo:
Como a ordem e os modos de vida dos antepassados são reproduzidos para todas as gerações futuras; Como as crianças devem ser instruídas sobre a natureza do mundo; como as doenças e o infortúnio entraram no mundo; E qual a natureza da relação entre seres humanos, espíritos e animais, que é a herança do mundo primordial.
Como a ordem e os modos de vida dos antepassados são reproduzidos para todas as gerações futuras; Como as crianças devem ser instruídas sobre a natureza do mundo; como as doenças e o infortúnio entraram no mundo; E qual a natureza da relação entre seres humanos, espíritos e animais, que é a herança do mundo primordial.
O mito contra a vida de Kuwai, a criança de Nhiãperikuli e Amaru, a primeira mulher e tia de Nhiãperikuli. Kuwai é um ser extraordinário, cujo corpo é cheio de buracos, consiste de todos os elementos do mundo, e cujos zumbidos e cantos produziram todas as espécies animais.
O seu nascimento coloca em movimento um processo rápido de crescimento, em que o mundo em miniatura e caótico de Nhiãperikuli se abre até o tamanho do mundo na vida real.
Kuwai ensina à humanidade os primeiros ritos de iniciação. Durante o período de reclusão dos meninos, porém, ele transforma em monstro e devora três iniciados que havia quebrado o jejum, comendo nozes de Uacú assado.
No final do ritual, porém, Nhiãperikuli mata Kuwai, empurrando-o dentro de um enorme fogaréu, um inferno que queima a terra, reduzindo o mundo novamente em seu tamanho miniatura.
Das cinzas de Kuwai nascem os materiais vegetais com os quais Nhiãperikuli fez as primeiras flautas e trombetas sagradas que seriam tocadas nos ritos de iniciação e cerimônias sagradas por todos os Walimanai.
Amaru e as mulheres, então, roubam esses instrumentos do Nhiãperikuli, provocando uma longa caçada em que o mundo se abre pela segunda vez, enquanto as mulheres, fugindo do Nhiãperikuli, tocam os instrumentos pelo mundo inteiro.
Após uma guerra contra as mulheres, os homens recuperam os instrumentos e, com eles, Nhiãperikuli procura os primeiros antepassados da humanidade.
Dessa maneira, o mito de Kuwai marca a transição entre o mundo primordial de Nhiãperikuli e um passado humano mais recente, que é trazido diretamente para a experiência das pessoas vivas nos rituais. Por isso, os pajés dizem que Kuwai é tanto deste mundo atual quanto do antigo, e que ele vive no "centro do mundo".
Para os pajés, ele é o "Senhor das Doenças" e é quem mais procuram em suas curas, pois seu corpo consiste em todas as doenças - inclusive veneno, que é a 'causa' mais freqüente da morte das pessoas até hoje - cujas formas materiais ele deixou nesse mundo na grande conflagração que marcou sua "morte" e afastamento.
Dizem os pajés que Kuwai tem cabelo no seu corpo inteiro como a preguiça preta Wamu. Kuwai enreda a alma dos doentes, abraçando-as (como a preguiça), e sufocando-as caso nenhuma ação seja tomada; mas ele também permite que o pajé recupere e devolva as almas aos seus donos.
Uma decorrência fundamental da cosmogonia Baniwa é que o mundo está permanentemente manchado pelo mal, pela doença e pelo infortúnio. Os pajés o chamam de Maatchíkwe, lugar do mal; kaiwikwe, lugar de dor; Ekúkwe lugar podre devido a tantos mortos apodrecendo debaixo da terra.
Em contraste, os outros mundos do cosmos - principalmente o de Nhiãperikuli - são considerados lugares belos, sem doença, sem maldade, eternamente novo. Mas, como uma pessoa doente, este mundo de humanos precisa constantemente ser livrado do mal, da bruxaria e feitiçaria que as pessoas praticam e que levam a morte e sofrimento.
Esse é o papel do pajé que são os "guardiões do Cosmos", e os rezadores que benzem o mundo nos rituais de iniciação, fazendo-o seguro para as novas gerações.
A vida religiosa baseia-se tradicionalmente nos grandes ciclos mitológicos e rituais relacionados aos primeiros ancestrais e simbolizados pelas flautas e trombetas sagradas, na importância central do xamanismo (pajés e rezadores, ou donos-de-canto) e em uma rica variedade de rituais de dança, chamados Pudali, associados aos ciclos sazonais e ao amadurecimento de frutas.
Os rituais de iniciação tradicionalmente são celebrados na época das primeiras chuvas e amadurecimento de certas frutas, quando se tem uma turma de meninos de dez a treze anos, prontos para receber os ensinamentos sobre a natureza do mundo. É absolutamente proibido para as mulheres e os não-iniciados verem as flautas e trombetas sagradas, sob pena de morte.