DESSANAS
Os Desanos são um grupo indígena que habita no noroeste do estado brasileiro do Amazonas, mais precisamente nas Áreas Indígenas Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Pari Cachoeira I, Pari Cachoeira II, Pari Cachoeira III, Taracuá, Yauareté I e Reserva Indígena Balaio, além da Colômbia.
Autodenominam-se Umukomasã. Sua língua caracteriza-se como da família Tukano oriental. Na realidade línguas muito próximas no que diz respeito à gramática e ao vocabulário. Distribuem-se pela bacia do Rio Uaupés afluente do alto curso do rio Negro e outras bacias vizinhas ao sul.
Os grupos que integram os Tukano Oriental organizam-se em fratrias e sibs patrilineares exogâmicos (grupos de descendentes de um ancestral comum que não casam entre si): Arapaso, Bará, Barasana, Desana, Karapanã, Kubeo, Makuna, Miriti-tapuya, Pirá-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka, Kotiria, Taiwano, Tatuyo, Yuruti (sendo que as três últimas habitam só na Colômbia).
Na região compartilham convenções sobre o uso dessas línguas: a maioria fala pelo menos duas línguas e freqüentemente compreende outras, privilegiando a língua paterna nas conversas cotidianas.
Os Desana, ou Umuko Masá (“gente do universo”), são um dos dezesseis povos dessa família linguística que moram nesse no Brasil e na Colômbia. Sendo aproximadamente 1,5 mil indivíduos no Brasil, distribuindo-se se em cerca de 60 comunidades misturadas a comunidades de outros povos da mesma família Lingüística.
Os Desana, como outros povos das terras baixas da América do Sul, distinguem várias categorias de especialistas rituais que exercem as funções de prevenção e cura de doenças segundo a fonte do seu poder e a natureza de suas práticas terapêuticas: os Yea, ou xamãs-onça, e os Kumua, ou Xamãs-rezadores.
Os Yea, cujo poder advém do contato estabelecido com os espíritos por meio da inalação do pó de paricá, são descritos como tendo a capacidade de se transformar em onça (daí o seu nome) para realizar certas tarefas.
Eles efetuam as curas xamânicas através de diversas técnicas de manipulação do corpo (massagens, sucção, etc.) que visam a extrair do corpo do doente o objeto patogênico. Os kumu (especialistas religiosos) também utilizam em seus rituais coca, tabaco e Ayahuasca.
Como princípio básico, a cosmologia Tukano combina perspectiva móvel, replicação da organização social em diferentes escalas da existência - corpo, comunidade, casa e cosmos, e organização análoga entre níveis diferentes da experiência.
O universo é feito de três camadas básicas: céu, terra e "mundo inferior". Cada camada é um mundo em si, com seus seres específicos e podendo ser entendidos tanto em termos abstratos como concretos.
Em contextos diferentes, o "céu" pode ser o mundo do sol, da lua e das estrelas, ou o mundo dos pássaros que voam alto, ou os topos achatados dos Tepuis (topos achatados das montanhas) dos quais descem as águas ou o mundo dos topos das árvores da floresta, ou mesmo uma cabeça enfeitada com um cocar de penas vermelhas e amarelas de arara, que são as cores do sol.
Do mesmo modo, o "mundo inferior" pode ser o Rio dos Mortos debaixo da terra, o barro amarelo debaixo da camada do solo onde enterram-se os mortos, ou o mundo aquático dos rios subterrâneos.
De toda forma, o que define o "céu" ou o "mundo inferior" depende não somente da escala e do contexto, mas também da perspectiva: à noite o sol, o céu e o dia ficam debaixo da terra e o escuro mundo inferior fica acima.
Há uma história sobre um homem que encontra o cadáver de uma mulher-estrela que caiu na terra quando fora enterrada por sua família no céu: para seus parentes ela está morta no mundo inferior; para o homem, ela está viva na terra.
O homem casa com a mulher-estrela e vai com ela visitar sua família no céu. Para o homem, as estrelas são os espíritos dos mortos que vivem à noite; para as estrelas, ele que é um espírito, e o dia para ele corresponde à noite para elas.
Os diferentes grupos tukano também participam desse esquema. Assim, por exemplo, os Bará são Povo de Peixe (ou da Água), os Barasana são Povo da Terra e os Tatuyo estão na categoria de Povo do Céu.
Cada um desses grupos tem um ancestral-Anaconda, mas anacondas na água são outra versão de jaguares na terra ou de harpias no céu- em um mundo transformacional e perspectivista, os maiores predadores do céu, da terra e da água são equivalentes e complementares.
Assim como pessoas que estão na mesma "camada" são do mesmo tipo e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos possuem dimensões cósmicas.
Assim como pessoas que estão na mesma "camada" são do mesmo tipo e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos possuem dimensões cósmicas.
Os Barasana, por exemplo, tendem a casar-se com os Bará, e estes também costumam casar-se com os Tatuyo. É possível vislumbrar esse sistema em um mito barasana que tematiza sua origem.
Yeba, ou "Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com Yawira, uma mulher -peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará.
Yeba, ou "Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com Yawira, uma mulher -peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará.
Yawira então abandona seu marido Yeba e foge com Yuka, o urubu-rei que é uma manifestação do ancestral Tatuyo, que é também a Anaconda do Céu e Jaguar (Eagle-Jaguar). Outros grupos Tukano têm diferentes versões para esse mito, nas quais os nomes dos personagens podem mudar, mas a lógica é a mesma.
Em termos simbólicos, a maloca é o universo e o universo é uma maloca. O teto de palha é o céu, os esteios de suporte são as montanhas, as paredes são as cadeias de serras que parecem cercar a paisagem visível na beira do mundo, e sob o chão corre o Rio dos Mortos.
A maloca tem duas portas: uma no leste que é a dos homens, ou a "porta da água"; outra das mulheres a oeste, com uma longa cumeeira que corre ao longo do teto da casa entre as duas portas, que é "o caminho do Sol".
Nessa região equatorial, os rios subterrâneos correm do oeste para o leste, ou da porta das mulheres para a porta dos homens; completando um circuito fechado da água, o Rio dos Mortos corre do leste para o oeste.
A maloca tanto é o universo, como também é um corpo, ao mesmo tempo o "corpo canoa" do ancestral-Anaconda e os corpos de seus filhos nele contidos.
Esses filhos são os habitantes da casa, réplicas do ancestral original, receptáculos de futuras gerações e, eles mesmos, futuros ancestrais. Mas, se a maloca é um corpo humano, sua feição também é uma questão de perspectiva.
Do ponto de vista masculino, a frente pintada da maloca é um rosto de homem, a "porta dos homens" é sua boca, a viga mestra e as laterais são a sua coluna e costelas, o centro da casa é seu coração, e a porta das mulheres o seu ânus.
Do ponto de vista das mulheres, a coluna, as costelas e o coração permanecem os mesmos, mas o resto do corpo é invertido: a porta das mulheres é a sua boca, a porta dos homens a sua vagina e o interior da casa o seu ventre.
De tais princípios de replicação e transformação dão-se uma série desdobramentos. Se os rios correm através da casa-universo e o corpo é uma espécie de casa, segue-se que as tripas e os genitais humanos são "rios"; e, ainda, que os vermes parasitas são "anacondas".
Há uma história divertida que descreve o universo do ponto de vista de um verme: quando o seu hospedeiro humano bebe caxiri (cerveja de mandioca), a chuva fica grossa e pegajosa; quando ele ingere farinha, chove pedras; e quando ele come beiju, chove grandes rochas.
Essa narrativa ilustra um ponto importante: por vezes os mitos explicitam a cosmologia, mas com mais freqüência a cosmologia simplesmente está subentendida ou implícita e as pessoas devem pô-las em prática por conta própria. Especialistas religiosos são aqueles que possuem maior habilidade para "ler" o que está por trás das narrativas sagradas.
Os Tukano compartilham uma noção de reencarnação segundo a qual, quando uma pessoa morre, um aspecto de sua alma volta para a "casa de transformação", local de origem do grupo. Depois, a alma volta ao mundo dos vivos encarnada em um recém-nascido que recebe o seu nome.
As pessoas recebem o nome de um parente recentemente falecido do lado paterno, o avô paterno para um menino ou a avó paterna para uma menina. Cada grupo possui um conjunto limitado de nomes pessoais que vão sendo retransmitidos a cada geração.
O aspecto visível dessas "almas-nomes" são os cocares de penas usados pelos dançarinos, que também são enterrados com os mortos. O rio do "mundo inferior" é descrito como repleto de ornamentos, assim como na história de origem os espíritos dentro da Canoa-Anaconda tiveram a forma de ornamentos de dança.
Sepultadas em canoas, as almas dos mortos caem para o rio do "mundo inferior". De lá, são levadas pela correnteza do rio subterrâneo para o Oeste e às regiões rio acima deste mundo. As mulheres não dão à luz na maloca, mas numa roça no interior da floresta, rio acima e atrás da casa - também ao Oeste.
O recém-nascido é primeiramente lavado no rio e depois levado para dentro da maloca pela porta traseira, a "porta das mulheres".
Confinado dentro da casa por cerca de uma semana com seu pai e mãe, ele é então banhado de novo no rio e recebe um nome. Assim, em termos cosmológicos, os bebês de fato vêm das mulheres, da água, do Oeste.
Em discursos míticos e xamânicos, os animais são gente e habitam mundos aparentemente semelhantes ao mundo dos seres humanos: vivem em comunidades organizadas em malocas, plantam roças, caçam e pescam, bebem Caxiri, usam ornamentos, participam de festas inter-comunitárias e tocam seus próprios Yurupari (flautas sagradas que representam os primeiros ancestrais).
Todas as criaturas que podem ver e ouvir, que se comunicam com os do seu grupo e que agem intencionalmente são "gente" - mas gente de espécies diferentes. São diferentes porque têm corpos, costumes e comportamentos diferentes e vêem as coisas de perspectivas corporais distintas.
Assim como as estrelas vêem os humanos como espíritos mortos, os animais vêem eles mesmos como humanos e vê os humanos como animais.
Aos olhos do urubu, quando os humanos vão pescar, eles pescam cadáveres apodrecendo e fisgam tapuru (conhecido como "bicho de pau"); aos olhos do jaguar, os humanos são predadores perigosos que bebem sangue como se fosse caxiri; para os peixes, para quem a água é seu "ar", é impressionante que os humanos não saibam respirar "debaixo da água". Os humanos, por sua vez, logicamente vêem as coisas de outra perspectiva.