HIXKARYANA
Nomes alternativos: Hixkariana, Hishkaryana, Parukoto-Charuma, Parucutu, Chawiyana, Kumiyana, Sokaka, Wabui, Faruaru, Sherewyana ,Xerewyana,
Xereu, Hichkaryana.
Xereu, Hichkaryana.
Classificação linguística: Caribe
População: 804 (censo de Maio, 2001)
Local: Amazonas, Rio Nhamundá acima
até os rios Mapuera e Jatapú.
até os rios Mapuera e Jatapú.
O universo mitológico Hixkaryana é muito familiar à mitologia sul-americana. Em geral, os mitos falam sobre um passado pré-cósmico no qual não havia distinção rígida entre humanos e não-humanos, ou melhor, um passado no qual a condição humana era coextensiva à natureza.
Além disso, as narrativas míticas revelam humanos na condição de animais, tentando domesticar as plantas, adquirir o fogo de cozinha, enfim, tentando viver em sociedade tal como muitos outros animais, paradoxalmente, já faziam.
Dois outros temas importantes são: as diferenças mínimas construídas ou experimentadas, no plano do pensamento, a partir de figuras ou estruturas semelhantes, como no exemplo dos irmãos gêmeos; ou as diferenças mínimas entre membros da mesma espécie, como os gaviões ou as araras.
A seguir, dois mitos que giram
em torno dessa temática.
O primeiro deles, intitulado Mawari e Woska, fala desses “cunhados” semelhantes e diferentes, que são os antepassados dos Hixkaryana, e foi contado em abril de 2010 pelo “dono” da aldeia Matrinxã, Antônio Mauasa.
Os Waiwai também possuem uma versão deste mesmo mito para falar de seus antepassados. O segundo é intitulado Yaimo e também foi narrado em abril de 2010 pelo “dono” da aldeia Torre, Afonso Ahtxe.
MAWARI E WOSKA (por Mauasa)
Naquele tempo, na aldeia dos Kamarayana [“povo onça”], uma velha protegia duas pequenas criaturas que tinham nascido a partir de dois ovos de jabuti: Mawari e Woska.
Ela colocava-os para crescer debaixo do telhado, das folhas que cobrem o teto da casa e os mantinha ali em segredo. Pela manhã, a pedido da velha kamarayana, as onças da aldeia saíam para caçar.
A onça pintada tomava uma trilha, a onça vermelha pegava outra trilha. Logo em seguida, de repente, por volta das 7 horas da manhã, a onça pintada já estava de volta, logo trazia sua caça. Já a onça vermelha só voltava com sua caça no final do dia, bem mais tarde.
Quando a onça pintada entrava na aldeia, entrava na sua casa, o seu estômago começava a rugir: grou, grou, grou! “Estou sentido cheiro de gente, quem está aí?”.
A velha respondia: “Não, não há ninguém aqui.” Mais tarde, chegava a onça vermelha, e seu estômago também começava a rugir: grou, grou, grou! “Estou sentido cheiro de gente, quem está aí?”. A velha respondia: “Não, não há ninguém aqui”.
No dia seguinte, a velha kamarayana renovava seu pedido para que as onças fossem caçar. Enquanto as onças encontravam-se fora da aldeia, a velha tirava Mawari e Woska do teto da casa e colocava-os no chão para comer e crescer.
Quando a primeira onça, a pintada, chegava da caça, o seu estômago novamente começava a rugir: grou, grou, grou! “Estou sentido cheiro de gente, quem está aí?” A velha respondia: “Não, não há ninguém aqui”. Depois era vez do retorno da onça vermelha, e a mesma pergunta e resposta repetiam-se.
No dia seguinte, o mesmo acontecimento sucedia-se e, assim, dia a dia, as criaturas cresciam, até o dia que não tiveram mais medo das onças e puderam sair elas mesmas para caçar.
Já no meio do mato, Mawari plantava uma árvore de bacaba (kumu), Woska, atrás dele, plantava uma árvore de bacabinha (tatinu); Mawari plantava uma castanheira (tîtko), Woska, atrás dele, plantava um outro tipo de castanheira (awanama); Mawari plantava um pé de buriti (ikako), Woska, atrás dele, plantava um outro tipo de buriti (karanaru); Mawari plantava um pé de banana (tuxkma), Woska, atrás dele, plantava um pé de banana selvagem.
Naquele tempo, os dois heróis não possuíam mulher. Mawari foi pescar, e pescou um peixe que era uma mulher, muito bonita, ficou com ela.
No dia seguinte, Woska também quis uma mulher, então, Mawari convidou-o para ir colocar timbó no rio. Pegaram uma piranha, que foi dada a Woska. Contudo, quando estavam fazendo sexo, a piranha cortou o pênis de Woska, e este nunca pôde ter filhos.
No dia seguinte, Woska também quis uma mulher, então, Mawari convidou-o para ir colocar timbó no rio. Pegaram uma piranha, que foi dada a Woska. Contudo, quando estavam fazendo sexo, a piranha cortou o pênis de Woska, e este nunca pôde ter filhos.
Naquele tempo, Mawari não tinha roça e buscava mandioca no mato. Ali havia uma árvore que não possuía galhos e nem folhas, era repleta de mandioca. Dizia para sua esposa, vou no mato buscar mandioca. “Onde vai buscar mandioca? Debaixo da terra, onde as mandiocas estão enterradas?”, Perguntava a esposa.
“Não, lá no mato há uma árvore, basta eu chegar debaixo dela, balançá-la, para que a mandioca caia lá do alto no chão”, respondia o marido. No dia seguinte, a esposa foi no lugar indicado pelo marido onde havia a “árvore” de mandioca, mas nada encontrou.
Sozinho, voltou o marido no lugar onde havia a “árvore” de mandioca, balançou-a, do alto caiu o fruto, levou-o para casa. Passou muito tempo para que a mulher desenvolvesse seu próprio jeito de coletar mandioca.
Os antepassados do povo kamarayana são filhos de Mawari, criados numa aldeia do povo kamarayana. Ali aprenderam finalmente a cultivar plantas e a plantar roças. Assim é como é: éramos nós assim mesmos. Éramos nós que éramos assim. É só isso!
A lógica aqui é que o herói Mawari sempre tenta “plantar” as coisas perfeitas, enquanto Woska, ao imitá-lo, “planta” sempre uma coisa de menor valor ou imperfeita, isto é, desvirtua o ato do irmão.
YAIMO (por Ahtxe)
Antigamente havia um homem que vivia sozinho, era pequeno e magro. Ele pegava seu arco e sua flecha e ia caçar no mato. Debaixo das árvores avistava lá no alto um grupo de macaco guariba.
Então, ele, o homem, que era pajé, transformava-se em gavião grande (yaimo), voava para a copa das árvores e abatia o macaco. Descia da árvore, pegava sua flecha e furava sua presa.
Então, ele, o homem, que era pajé, transformava-se em gavião grande (yaimo), voava para a copa das árvores e abatia o macaco. Descia da árvore, pegava sua flecha e furava sua presa.
Ao retornar para a aldeia, exibia a caça para os seus companheiros: “Olhem o macaco que cacei, olhem o lugar onde acertei a flecha”. Ninguém suspeitava de seu segredo. Uma mulher então pensou: “Vou casar-me com este caçador, não é que ele é bom de caça mesmo?”.
Depois disso, chamou o marido: “Vamos caçar guariba?”. Foram. No meio do caminho o marido disse: “Fique aqui, volto daqui a pouco”. De repente, o homem-Yaimo já estava lá, debaixo da árvore, furando com a flecha dois macacos já abatidos.
De longe, a mulher olhava escondida: “O que será que ele está fazendo? Ele parece um bicho! Será que ele não é gente, está me enganando?”.
Depois disso, chamou o marido: “Vamos caçar guariba?”. Foram. No meio do caminho o marido disse: “Fique aqui, volto daqui a pouco”. De repente, o homem-Yaimo já estava lá, debaixo da árvore, furando com a flecha dois macacos já abatidos.
De longe, a mulher olhava escondida: “O que será que ele está fazendo? Ele parece um bicho! Será que ele não é gente, está me enganando?”.
De volta os dois para a aldeia, o marido dizia para o sogro e os cunhados: “Vejam o que matamos, guaribas!”. E sua esposa, mandava: “Dê um macaco para o seu sogro, vamos dividir, o outro é para nossa casa”.
Depois disso, a mulher contou o segredo para o pai dela: “Meu marido matou sim os guaribas, mas não foi com a flecha”. “É mesmo, será que é verdade?”, perguntou-se o pai.
Nisto a filha estava pensando: “Não quero comer essa caça, não foi gente que a matou, foi como se outro bicho a tivesse matado, não quero contaminar meu corpo, a caça que é caçada por outro animal não é a mesma coisa daquela que é caçada pelo homem”.
Depois disso, a mulher contou o segredo para o pai dela: “Meu marido matou sim os guaribas, mas não foi com a flecha”. “É mesmo, será que é verdade?”, perguntou-se o pai.
Nisto a filha estava pensando: “Não quero comer essa caça, não foi gente que a matou, foi como se outro bicho a tivesse matado, não quero contaminar meu corpo, a caça que é caçada por outro animal não é a mesma coisa daquela que é caçada pelo homem”.
“É verdade o que a minha filha contou?”, perguntou o sogro ao genro. Este, então, ficou com muita raiva pelo fato da sua mulher ter revelado o segredo. O marido, que era um gavião grande, pensou: “Vou mordê-la, vou matá-la”.
Foi assim que um dia, quando a mulher foi buscar batata na roça, o gavião grande agarrou-a pelas costas e voou com ela para a copa de uma árvore grande (Wayana). O pai, de longe avistou: “O gavião está levando minha filha, ele subiu com ela lá naquela árvore”.
Foi assim que um dia, quando a mulher foi buscar batata na roça, o gavião grande agarrou-a pelas costas e voou com ela para a copa de uma árvore grande (Wayana). O pai, de longe avistou: “O gavião está levando minha filha, ele subiu com ela lá naquela árvore”.
Na aldeia, o pai da moça conversou com seus parentes: “Minha filha desapareceu, o gavião grande não vai voltar mais com ela. O que vou fazer?”. Reuniu a família: “Vamos lá matar o gavião grande, precisamos de muita gente, ele está muito grande”. O pessoal reuniu-se, armado com arco e flecha.
O gavião começou então a rondar a aldeia, aproximou-se, pousou em cima de uma árvore, passou o dia todo lá, sentado, gritando: “Uchim, uchim uchim! Provou de carne de gente, gostou, está querendo mais! Ele, o homem-gavião, não parece gente, é animal mesmo!”.
Os caçadores da aldeia, perguntaram-se: “Onde ele está?”; “Está em cima da árvore, lá no alto!”. Chegaram lá debaixo: “Quem vai matar, quem flecha bem?”. “Eu, eu sou bom caçador”, disse um homem. “Está bem, pode matar”, autorizou um outro. A flecha foi atirada, mas muito fraca, e o gavião que estava lá no alto não foi atingido.
O gavião estava alegre: “Não vão me acertar!”. Um segundo caçador disse: “Você já errou, dê-me uma flecha mais grossa, arco mais forte, uma flecha mais dura, vou acertá-lo”. Lançou a flecha duas vezes, acertou duas vezes o gavião. Na segunda vez, o gavião abriu as pernas, abriu as asas, e suas penas voaram.
Lá de cima da árvore as penas esvoaçaram, espalharam, caíram, formaram outros pássaros, semelhantes ao gavião, entre eles, o papagaio, um gaviãozinho, o karauka (um tipo de águia predadora do mutum), o wikoko (um tipo de águia predadora do tucano, do jacamim e do nhambu), o orinhuru (um tipo de águia maior, predadora do caititu, da cotia, da paca e da cobra grande).
Ahtxe (o narrador do mito) conclui sua narrativa: “Isso aconteceu no passado e é tudo verdade. Quando eu vivia no alto rio Nhamundá, certa vez, fui fazer uma canoa no meio do mato, quando estava de volta para a aldeia, o gavião atacou e levou meu cachorro vermelho, comeu-o. Fui atrás do gavião, queria matá-lo, mas não consegui”.