KAXINAWÁ
Nomes alternativos: Cashinauá,
Caxinauá, Huni Kuin
Caxinauá, Huni Kuin
Classificação linguística: Pano
População: 4.500 (CPI/AC – 2004)
Local: Acre, Amazonas
Os Kaxinawá pertencem à família linguística Pano que habita a floresta tropical no leste peruano, do pé dos Andes até a fronteira com o Brasil, no estado do Acre e sul do Amazonas, que abarca respectivamente a área do Alto Juruá e Purus e o Vale do Javari.
O conjunto de rituais que acontecem cada três ou quatro anos no Xekitian, tempo do milho verde (dezembro e janeiro), é chamado de Nixpupimá, “batismo” Kaxinawá. O Nixpupimá é um rito de iniciação.
A partir do momento em que “comemoram” pela primeira vez Nixpu, os Bakebu (crianças) tornam-se Txipax e Bedunan, meninas e meninos. Eles são diferenciados pelo sexo e aptos a serem iniciados nas tarefas e nos papéis específicos de seu sexo.
O Nixpu é uma planta da mata cujo talo quebrado é batido repetidamente contra os dentes, tingindo-os de um preto brilhante. Este efeito é belo, estético para os Kaxinawá.
Na mitologia Isa hana (pássaro de sete cores) é chamado Nixpupia hawendua (lindo porque comeu Nixpu): tem o bico preto. Isa hana é um pássaro muito preocupado com a beleza. Sua própria plumagem já é bonita: azul com a cauda vermelha.
Isa hana viu que Bixku txamini tinha o corpo coberto de perebas tão fedorentas que sua mulher o abandonou. Ixmi (o urubu rei) veio para comê-lo mas Bixku se defendeu e Ixmi perdeu um monte de suas penas brancas. Aí chegou Isa hana, que curou Bixku com plantas medicinais em troca das penas brancas que Ixmi perdeu. Com as penas brancas Isa hana se fez um lindo cocar para usar Nixpupima.
Os dentes enegrecidos fazem parte do Make-up para festas e rituais, assim como desenhar o corpo com jenipapo e pintar-se o corpo todo com a pasta vermelha de Urucum (Maxe), com óleo de amendoim (Tama xeni) ou de pupunha (Bani xeni), misturado com perfume (Ininti), um hábito que se tornou, pelo uso de roupa, mais raro hoje em dia. O Nixpu é considerado crucial para a saúde dos dentes; os Kaxinawá dizem que seu sumo os fortalece e protege.
Txidin.
O Txidin acontece anualmente no Xekitian, tempo do milho verde, ou depois de um rito funerário por uma morte importante (um chefe ou xamã). A saudade e a tristeza provocadas pela perda podem ameaçar a vitalidade e o bem-estar da comunidade, e o Txidin serve para reforçar a fé na vida e levantar o ânimo: sua finalidade é proteger os vivos.
O Txidin caracteriza-se pelos cantos Dewe (que contam a criação do mundo), pela dança do líder de canto (Txana Xanen Ibu) e seu acompanhante, aprendiz, sapateando de costas com búzios nas canelas e pelo vestuário do líder de canto.
É a única ocasião em que se usa o Cushima, um vestido comprido, todo Keneya (com desenho), um cocar (Maite) de penas brancas e penas vermelhas da cauda da arara, o Hawe (adorno pendurado nas costas), com penas de gavião e caudas feitas das penas do corpo de vários pássaros (Kuxu Dani, Hana dani etc.) e com a cauda do Coatipuru (Kapa hina).
O líder de canto, assim enfeitado, representa o Inca e seus aliados: o gavião (tete), o urubu rei (Ixmin), o Txana. O inca é ligado à metade dos Inubakebu (filhos da onça) e há todo um conjunto de associações simbólicas que giram ao seu redor: o milho, o frio, a vida eterna, o jenipapo e o sol.
A metade dos Duabakebu (filhos do brilho), por outro lado, é ligada à cobra, ao vermelho, à ciclicidade, ao apodrecimento, à lua. Trata-se porém de complementaridades contextualizadas, o que faz com que o significado de cada elemento no par mude segundo a situação.
O Txidin faz parte da seqüência do ritual do Nixpupimá. O líder de canto no Nixpupimá sapateia ao redor do fogo aceso perto do lugar, na casa, cercado com esteiras, onde estão os reclusos nas suas redes.
Ele é vestido com as roupas do Txidin, do Inka, e as canções da primeira parte do ritual Nixpupimá contam a visita dos homens (Dua) à aldeia dos Inká (Inu).
O jovem informante de Capistrano contou-lhe que fazem parte da preparação da festa e Omã (Nixpupimá), a caça coletiva, a fabricação dos banquinhos (Kenan) a armação dos tene (o suporte para o adorno de pena de gavião), enfeite que caracteriza o Txidin.
Depois são colhidos o nixpu e os espinhos de pupunha (Banin Muxa) para fazer a perfuração do lábio inferior e das narinas. A primeira parte desse rito de iniciação é uma corrida exaustiva de um lado ao outro do pátio, o dia todo; na mão da mãe, quando menina, e do pai, quando menino. Os meninos correm com as penas de gavião nas costas.
KATXANAWÁ...
O Katxanawá, ritual da fertilidade, existe em várias versões e pode iniciar o “festival” do Nixpupimá. Normalmente o katxanawá acontece várias vezes por ano. Visualmente o ritual é caracterizado pela dança dos Yuxin da floresta (cobertos dos pés à cabeça com a palha da jarina e pintados, nas partes que aparecem por baixo da palha do urucum) ao redor do tronco oco da paxiúba (Tau pustu, katxa).
O tronco foi cortado, descascado e esvaziado dentro da mata, pelos homens da metade que ficou com o papel ritual de invasor.
Antes da campanha dos missionários contra o uso de bebida alcoólica, a caiçuma era guardada durante seis dias no tronco da paxiúba (tampada com folhas de bananeira) para fermentar.
A aldeia dançava durante cinco dias ao redor do Katxa, e no sexto dia chegavam os convidados das outras aldeias para juntos tomarem a bebida fermentada (Muxetan). Somente uma pessoa me falou que a fermentação era acelerada pelo cuspe (costume ainda em uso entre os Katuquina e Yaminawa).
Com as visitas, o conteúdo do Katxa era esvaziado, dançando e bebendo a noite toda. Depois de vazio, o mesmo Katxa servia para receber o vômito: “vomitar é bom para a gente não ficar mole; é que nem o Nixi pae (o cipó), aí a gente vomita também para limpar a barriga e ficar forte. Vomita e aguenta de novo, né? Aí pode tomar mais, tomar sempre”. De madrugada o Katxa é levado de volta para a mata e destruído.
O Katxa é o símbolo do útero, e referência ao tronco oco onde foram criados os primeiros Kaxinawá. Este elemento feminino é enfeitado com tubos de macaxeira e banana, símbolos masculinos.
Um grupo de homens, todos da mesma metade, começa a dança saindo da mata como Yuxin da floresta, que invadem a aldeia, cantando ho ho, ho ho. Este é o elemento central do rito: os invasores da floresta são inicialmente recebidos com hostilidade: a outra metade, que não foi para a mata, representa o “interior”, os Huni Kuin, e pega suas armas para receber os inimigos.
Mas logo depois de se aproximar dos Yuxin da floresta, as aramas são deixadas de lado e os dois grupos dançam juntos ao redor do Katxa, chamando todas as plantas cultivadas pelos nomes.
Além da dança e do canto por uma safra abundante com a ajuda dos Yuxin da floresta, o katxanawá implica a troca ritual de caça e peixe entre as metades. Assim um verdadeiro katxanawá é precedido pela caça coletiva, por cada metade separadamente, de dez dias a duas semanas.
De manhã é uma metade que dá, de noite, a outra. O mesmo acontece com a dança. No primeiro dia os Inubakebu vêm da mata e os Duabakebu recebem. No segundo dia os papéis são invertidos.
O katxanawá tem a característica de complementaridade entre os sexos. Ambos os sexos participam do ritual e esta participação tem conotações sexuais explícitas. Depois de ter chamado todos os tipos de banana, de mandioca e de milho, os homens começam a cantar insultos e provocações ritualizadas para as mulheres.
Estas são respondidas imediatamente pelas mulheres, que formam uma linha de dança, com o braço segurando o ombro da vizinha, e correm em direção ao círculo dos homens tentando rompê-lo.
Os cantos das mulheres têm um outro ritmo e um tom bem mais alto do que os cantos dos homens e elas tentam desafinar assim o canto dos homens. Esta troca competitiva de insultos é chamada de Kaxin itxaka (insultar o “morcego-vampiro” – uma metáfora para a vagina) e Hina itxaka (insultar a cauda – o pênis), uma brincadeira que provoca muita hilaridade.
FESTA DO FOGO NOVO...
Esta festa acontecia com o katxanawá mais do que uma vez por ano, e consistia em apagar o fogo velho e acender o fogo novo de forma ritualizada, precedido de uma caçada coletiva, que fornecia carne moqueada suficiente para vários dias de festa.
Jogava-se os restos do fogo velho fora e no dia de acender o fogo todo mundo ia tomar banho na madrugada. Hoje em dia a festa perdeu a sua razão de ser. Como os antepassados, os Kaxinawá agora fazem um fogo novo todos os dias.
Jogava-se os restos do fogo velho fora e no dia de acender o fogo todo mundo ia tomar banho na madrugada. Hoje em dia a festa perdeu a sua razão de ser. Como os antepassados, os Kaxinawá agora fazem um fogo novo todos os dias.
NIXPUPIMA...
À noite, as crianças são chamadas para se reunir na casa do líder. Somente as crianças que perderam os dentes da infância e cujos dentes definitivos já cresceram estão prontas para a iniciação. Suas redes são penduradas num canto da casa e cercadas de estiras para não verem nada.
Suas mães sentam-se ao lado da rede de seus filhos e começam a balançá-las, cantando “kawa, kawa”. As crianças têm que ficar esticadas e não podem se mover. Se alguma delas tiver que sair da rede, só pode olhar para os pés. Se olhar para o céu ou para as árvores, uma cobra ou uma formiga com picada tão forte quanto a de uma cobra, podem picá-la.
Os pais das crianças dançam ao redor do fogo e cantam Pakadim, rezas específicas para seus filhos “ficarem fortes e aprenderem ligeiro”.De manhã cedo, as crianças tomam banhos medicinais para crescerem, ficarem trabalhadoras (Dayadau), e as meninas recebem um banho especial para aprenderem o desenho (Kenedau). Além disso, meninas e meninos cortam o cabelo nessa ocasião.
As crianças são pintadas de preto com jenipapo, depois do banho. Lava-se também os dentes com pedrinhas chatas e areia para tirar as impurezas. Depois da lavagem, as crianças podem tomar caiçuma (Mabex) de milho.
Ainda de madrugada tem a corrida. Os homens pegam os meninos pela mão e correm com eles de um lado ao outro do pátio. Quando param para descansar, é a vez das meninas que correm de mão dada com as mulheres.
E assim acontece o dia inteiro e durante os dois dias seguintes. “Quem cair não vai viver muito tempo, quem não cair vai sobreviver”. Nas noites depois da corrida, os homens cantam os Pakadim, como na primeira noite, e as mulheres balançam a rede, cantando “kawa, kawa”.
As crianças não comem nada, só tomam Mabex. Entre as corridas, os meninos descansam nos banquinhos (kenan) feitos pelos pais para esta ocasião. A mãe do menino pinta o banco com o sumo da folha e da madeira do Txaxuani, que dá tingimento preto, e com Maxepa (urucum bravo), que tinge a madeira de uma cor avermelhada.
Entre os motivos que usa é o Xunu kene (desenho de sumaúma). O banco é feito da Sacupima (raiz aérea, bema) da Sumaúma (Xunu), uma madeira leve e branca. O Xunu é uma árvore muito grande e considerada poderosa pelos Kaxinawá. Ela hospeda Yuxin gigantes (os Nixu, Hida Vuxin).
As mulheres não ganham bancos, assim com não tomam o Nixi pae (a bebida alucinógena- Ayhauasca). O costume feminino é sentar com as pernas cruzadas numa esteira, enquanto os homens sentam num banco (Kenan, Tsauti), numa casca de jabuti, num Xaxu virado com a parte oca para baixo ou, quando o homem é o mais velho da casa ou uma visita importante, na rede de sentar (Hisin).
Na noite do último dia das corridas, as crianças recebem um prato com Nixpu ao se deitarem na rede. Mastigam o Nixpu e cospem num prato. Mastigam até seus dentes fiarem pretos.
Depois fazem jejum (Samake) durante cinco dias: só podem tomar caiçuma de milho. Podem comer de novo quando o preto tiver saído dos dentes, ou seja, depois de terem saído da fase liminar, marcada pelo preto.
A categoria Dau inclui remédios do branco, adornos e cuidados corporais, e fitoterapia. Para ser atraente e bonita, a pessoa Kaxinawá lava-se muito (duas vezes por dia), tira todo o pelo do corpo, pinta-se de vermelho com a pasta de urucum com óleo (não sobrecarregando na cor, senão parece Kulina, o que é feio) e deixa desenhar-se com jenipapo.
Limpá-se e cortá-se as unhas com uma pedra fina, escova-se os dentes com areia e pedra, lava-se o cabelo e o rosto com argila branca. Para fazer a barba os homens passam cinza no queixo e tiram a barba com uma concha (informação que não pude verificar pela observação). Antigamente as mulheres depilavam as sobrancelhas.
Homens, mulheres e crianças usavam, antes da entrada de roupas, faixas de algodão branco (huxe) nos pulsos, nos tornozelos e nos braços (puxte), colares (teuti) no pescoço feitos com contas pretas (meimatsi) e linhas de algodão ou colares cruzados no peito (mane haxkanti).
Os homens usavam um cinto fino (tinetxi) que segurava o pênis, as mulheres uma saia de algodão (xanpana) pintada de urucum perfumado.
Homens e mulheres usavam enfeites nas perfurações do lábio inferior (algodão, contas ou um pedaço fino de madeira: mane keu), nas orelhas (pau), no nariz (uma ou várias contas brancas ou azuis: dexu), um fio de algodão entre o nariz e orelhas (dedi).
Nas festas os homens usavam ainda penas de arara nas narinas (Demu) e cocares. Nas faixas, nos colares e no cinto (ou na saia) pendurava-se vários tipos de Dau: folhas cheirosas, dentes de macaco, de onça e de jacaré (o dente de jacaré é tido com proteção contra cobras), vários tipos de contas, conchas e pedaços de couro.
O Katxanawá, ritual da fertilidade, existe em várias versões e pode iniciar o “festival” do Nixpupimá. Normalmente o katxanawá acontece várias vezes por ano.
Visualmente o ritual é caracterizado pela dança dos Yuxin da floresta (cobertos dos pés à cabeça com a palha da jarina e pintados, nas partes que aparecem por baixo da palha do urucum) ao redor do tronco oco da paxiúba (tau pustu, katxa).
O tronco foi cortado, descascado e esvaziado dentro da mata, pelos homens da metade que ficou com o papel ritual de invasor.
MITO FUNDADOR...
O mito fundador Kaxinawá explica também a origem do uso de uni ou cipó de Ayahuasca - com que se produz uma bebida alucinógena utilizada ritualisticamente.
Segundo o mito, houve um homem, Yube, que, ao se apaixonar por uma mulher-anaconda, transformou-se em anaconda também e passou a viver com ela no mundo profundo das águas.
Lá, Yube descobriu uma bebida alucinógena com poderes de cura e de acesso ao conhecimento. Um dia, sem avisar a esposa-anaconda, Yube decidiu voltar à terra dos homens e retomar a sua antiga forma humana.
XAMANISMO E ETNOMEDICINA...
O xamanismo entre os caxinauás é uma atividade predominantemente masculina e de mulheres mais velhas. O poder xamânico (muka) vem do contato com o mundo sobrenatural que acontece nos rituais coletivos, através dos sonhos, do uso do rapé e da bebida Nixi pae - Ayahuasca, Lagrou (1996).
Segundo essa autora, o xamã (mukaia) cura seu mukae obtém suas visões (yuxin) cheirando rapé (dume) ou através do nixi pae.
Para Keifenheim, os xamãs, em sua prática etnomédica, utilizam, preferencialmente, a fumaça do tabaco (dume), capaz de embriagar os espíritos e, assim, liberar o espírito humano preso por aqueles, ao Mixi pae. Recorrem a essa bebida para dialogar com os espíritos somente quando seus métodos não alcançam a cura almejada.
O poder espiritual (Muka) do xamã pode matar e curar sem usar força física ou veneno. Os caxinauás distinguem dois tipos de remédio (Dau): os remédios doces (Dau bata) são folhas da mata, certas secreções e animais e os adornos corporais; os remédios amargos (Dau muka) são os poderes invisíveis dos espíritos e do Mukaya.
A atividade de identificar, coletar remédios (Huni dauya - homem com remédio doce, ervatário) nem sempre é realizada pelo Huni mukaya (xamã), requerendo um processo de aprendizagem com outro especialista nesse saber.