Sanctuarium MATIS

 


MATIS
Nomes alternativos:
 Mushabo, Deshan Mikitbo
Classificação linguística: Pano
População: 322 (2008)
Local: Amazonas

Estimados em várias centenas na época dos primeiros contatos (final dos anos 70), os Matis, falantes de uma língua Pano, não passavam de 87 em 1983.

 Todos os matis são monolíngues. Andam nus, raspam a cabeça, fazem orifícios labiais e auriculares e usam zarabatana. Vivem de caça pesca e coleta de produtos como o cacau e o buriti além das roças de milho, macaxeira, pupunha e cará.


O SHO é uma substância característica 
E mesmo a fonte de poder... 
dos Xamãs e dos Homens importantes.

Ambivalente por excelência, essa substância apresenta aspectos ora positivos, ora nefastos. Em forma benéfica, transmite-se formalmente, durante rituais, ou “por contágio”, quando alguém se deita na rede de outrem, por exemplo. 


Da mesma maneira, o Sho patogênico também pode ser enviado voluntariamente (por meio de pequenas zarabatanas), ou involuntariamente, pela exalação, por exemplo. Os Matis podem, portanto, imputar doenças aos brancos sem realmente culpá-los e buscar vingança.

Intimamente ligado ao sistema de sabores, o Sho apresenta-se sob duas formas básicas: Bata Sho (doce) e Sho comum, amargo (chimu). A forma doce, de essência feminina, protege, ao passo que a forma amarga, masculina é perigosa. Diz-se que estar doente ou sofrer é literalmente “ficar amargo”, Chimwek.


Os “brancos” (Nawa), que consomem muito sal (alimento bata), mas também muita pimenta-do-reino (alimento chimu), são conhecidos por seu forte teor em Sho comum (chimu) – daí as epidemias de que são sabidamente responsáveis – e, principalmente, em Bata Sho – daí a sua relativa “imunidade” às doenças. Os Matis não conseguem o equilíbrio entre o bata e o chimu como os “brancos”, privilegiando o último.

Antigamente, com o intuito de melhorar suas proezas na atividade da caça e, principalmente, aumentar a eficácia de suas zarabatanas, os homens se abstinham, tradicionalmente, de todo alimento bata (comida doce, tal como mamão, abacaxi, cana de açúcar), mantendo um regime alimentar e um ritmo de vida regidos pelo signo do chimu.

Este é um termo polissêmico que, além do amargo, designa a dor, o gume e outras qualidades extremamente valorizadas, mas cujo excesso provoca o sofrimento e a morte.


Os caçadores ingeriam vários tipos de substâncias amargas ou ácidas (pimenta crua, chás de cipós amargos, Curare pësho, vários vegetais não identificados); injetavam o Kampo, veneno de sapo emético sob a pele; introduziam líquido irritante (buchete) sob as pálpebras; açoitavam-se uns aos outros, em suma, cultivavam o picante e o amargo - o chimu. Seu teor em Sho era máximo, o que os deixava orgulhosos e deveria torná-los melhores caçadores, mas, ao mesmo tempo, segundo a teoria indígena, expunha-os às doenças.


Tumi, o Matis considerado como tendo mais Sho verdadeiro (chimu, “amargo”), foi para a cidade tratar e uma infecção benigna, muitos achavam que estava perdido, afirmando que não sobreviveria ao excesso de Nawan sho (“Sho dos brancos”, por demais doce/salgado). 

Sua mulher chorou lágrimas de luto por ele. Protegidas por uma alimentação bata, as mulheres, ao contrário, são consideradas menos ameaçadas pelos brancos, o que talvez explique seu papel preponderante nos primeiros contatos, colocando-se na dianteira, e muitas vezes, tomando a iniciativa do diálogo (CEDI, 1981: 85). 

De qualquer modo, o simbolismo matis aproxima, incontestavelmente, o bata do feminino e do estrangeiro e opõe esses termos ao chimu, ao masculino e ao endógeno [interno] (Erikson, 1990).


Os MARIWIN: Espíritos Ancestrais...

Onipresentes nos discursos dirigidos às crianças, os Mariwin são ancestrais genéricos (impessoais) cujo papel consiste em bater nas crianças com o objetivo de endurecer, disciplinar e torná-las mais ativas e vigorosas.

Muitas vezes, chegam na aldeia adultos adornados com máscaras, representando os espíritos ancestrais, munidos de varas, mexendo-se, curvando-se e grunhindo de modo assustador. As crianças são levadas a eles. A menos que consigam escapar, todos são açoitados, dos mais jovens aos pré-adolescentes.


Os golpes não são dados para fazer mal, mas para insuflar o tônus. Os chicotes do Mariwin são feitos de talo da palmeira Daratsintuk, e cada talo, quebrado ou não, só pode ser utilizado uma vez. 

Assim, nota-se a natureza individualizada da ligação entre a palmeira e cada criança, sugerindo que, assim como as plantas medicinais e as agulhas do tatuador que são usadas uma única vez , os golpes dados pelos Mariwin tenham um valor propriamente terapêutico e preparatório.

Bater faz crescer: no caso de escassez de vegetais, se os legumes começam a faltar, os Matis, para encurtar o período de entre-safra, põem suas vestes e ornamentos cerimoniais e batem nas plantas de seu jardim a fim de incitar o seu desenvolvimento.


As crianças são também açoitadas e picadas na gengiva desde a idade de dois ou três anos. Tais golpes antecipam aquilo que virá em seguida, inauguram uma vida marcada por fustigação e picadas “terapêuticas”, entre as quais se destacam as perfurações ornamentais, as tatuagens, e a ação dos Mariwin, marca dos rituais de açoitamento.


Há, de fato, dois tipos de Mariwinos Put (“vermelhos”, com o corpo todo coberto de lama ocre-alaranjada) e os Wisu (“negros”, cobertos de terra acinzentada). 


Os vermelhos, que são vistos como mais próximos dos viventes, provêm de locais distantes onde antigamente viviam os Matis: das roças abandonadas que são exploradas por causa da pupunha, já que não produzem mais plantas de consumo cotidiano como a mandioca e a banana. 

Os negros, por sua vez, vêm de mais longe: de buracos dentro dos bancos, nas margens dos grandes rios. Seus golpes fazem supostamente mais mal às crianças que eles conhecem pouco, pois assim não precisam se preocupar em bater menos. Eles são, de um modo geral, mais distantes, como costumam dizer os Matis.