Sanctuarium YE’KUANA

 


 YE’KUANA
Nomes alternativos: Yekuana
Classificação lingüística: Karib
População: 430 (Moreira-Lauriola – 2000)
Local: Amazonas, Roraima

Os Ye’kuana, antigos viajantes na Amazônia, na floresta e na cidade, mostram como a articulação de espaços diferentes, dentro e fora de seu território tradicional, cria uma dinâmica que longe de descaracterizar sua identidade, pode favorecer um sistema de criação e manutenção de redes de apoio, de trocas econômicas, de informação e de projetos econômicos e sociais.



Os Ye´kuana concebem o universo composto por dois planos paralelos Caju (o céu) e Nono (a terra). 

Em Nono, plano inferior do universo, o sobrenatural fora outrora neutro (ou pelo menos suas manifestações eram desconhecidas pelos habitantes da terra). Então o Sol pai deixou cair três ovos mágicos. Os dois primeiros se abriram e deles saíram Wanadi, um herói cultural mítico, e seu irmão.




O terceiro não chegou a se quebrar, mas ficou machucado e deformado. Wanadi então o atirou na floresta. Com essa segunda queda o ovo se abriu e Cajushawa, cheio de ressentimento e de ódio, apareceu na terra e se converteu na manifestação negativa do sobrenatural.

Desde então a gente de Cajushawa (os demônios ou Odosha) se proliferaram pelo mundo, dominando o reino invisível da terra.

Em contrapartida, Wanadi, a expressão benévola do sobrenatural, depois de ter vivido na terra por um tempo durante o qual lutou contra Cajushawa, deixou a terra nas mãos de sua gente, os Ye´kuana, a quem cabe lutar contra os demônios.

A configuração da terra tem em seu centro um círculo interno de água chamado Dama (o mar), que é rodeado por outro círculo, nono (a terra propriamente dita), o qual possui artérias de água, tuna (os rios provenientes do mar). Rodeando a terra há outro círculo donde partem raias inclinadas que são os pilares de sustentação do céu.




Este espaço é chamado Caju Wowaö´ña, literalmente « as patas do céu». Além de suportar o céu, Caju wowadö´ña constitui o limite do reino de Cajushawa. As aldeias do leste se dizem que estão aderidas a caju Wowadö dawono (a parte inferior de caju Wowadö). 

Na direção leste há inúmeras cascatas de difícil acesso que iniciam na terra, correm subterraneamente em Caju Wowadö´ña e reaparecem no céu em forma de água calma. Quando Cajushawa perseguia Wanadi, não conseguiu atravessar essas cascatas e deve que ficar na terra.

Caju (céu), plano superior do universo, está dividido em oito camadas, que são os reinos dos Jöwai. As aldeias de Wanadi e do Sol estão em um lugar inacessível de caju, concentradas em um único local para além do mundo no qual os seres visíveis (os Ye´kuana) e os invisíveis (os demônios de Cajushawa) competem incansavelmente, e o equilíbrio entre as forças positivas e negativas é precário. Habitando esse local, Wanadi está completamente alheio aos problemas da terra.


A geografia do universo e a geografia da maloca são marcadas por uma grande similaridade. Mais que isso, a maloca pode ser compreendida como uma réplica do cosmo: suas partes correspondem a cada uma das divisões significativas do céu e da terra. 

Annaca (ou círculo interno) corresponde à dama (o mar no centro do mundo). O círculo seguinte que configura a terra (nono) corresponde na maloca à Ãsa (os departamentos/dormitórios). 


Nas margens desse segundo círculo se erguem os pilares que sustentam o teto. Os mastros maiores se chamam Sirichäne, o que significa literalmente « Apoio das estrelas ». 

Na concepção Ye´kuana do universo este espaço corresponde a caju Wowadö´nã, ou « Patas do céu ». 

O teto cônico da casa redonda, por sua vez, tem configuração semelhante à representação do plano superior do universo, sendo o ponto culminante a morada de Wanadi e seu pai. Na maloca, há uma janela no teto que se abre para o leste, na direção de Wanadi.

Além dos demônios, Odosha, há outra forma através da qual o sobrenatural se manifesta negativamente. Segundo os Ye´kuana, os sistemas de vida (o animal e o vegetal, por exemplo) têm correspondentes invisíveis ou « donos » no mundo invisível. 


Quando os Ye´kuana afetam as manifestações visíveis desses seres – ao caçar um animal ou derrubar uma árvore, por exemplo – provocam um desequilíbrio no mundo invisível. As forças invisíveis então reagem provocando má sorte, doença ou morte nos agressores.

Para amenizar esse problema, lançam mão de ritos antes do uso de determinados produtos da natureza, como frutas silvestres, caças, resinas (por exemplo, a Caraña que se usa para pintura corporal) etc. Os produtos são «soprados» a fim de repelir a força sobrenatural que se encontra neles alojada.


XAMANISMO E RITUAIS...

Todo Ye'kuana pode adquirir certa destreza ritual para controlar o poder maligno, ainda que pontualmente. Mas o sistema ritual é dominado por especialistas dotados de poderes especiais: os Jöwai (conhecidos também como Cadeju), cuja prerrogativa é a cura de doenças. 




Eles possuem um poder similar a Wanadi e seus irmãos, que foram os primeiros xamãs da terra. Este poder não é igual em todos os Xamãs, sendo mais forte em alguns.

Outro grupo de especialistas rituais são os "donos" (Edamo) de canções sagradas (conhecidas geralmente como A'churi ou Aremi) e se chamam A'churi edamo ou Aremi edamo.




Ambos tipos de especialistas podem estar habilitados para celebrar rituais com finalidade benéficas ou não, já que Wanadi e Cajushawa têm uma origem comum.

Os ritos celebrados por um A'churi ou Aremi Edamo em geral compostos de : a) exorcismo, invocação mágica ou cantos sagrados (Aremi ou A'churi) que variam de tamanho e conteúdo; b) gestos apropriados – com as mãos ou sopro – para expelir e afugentar as forças malignas ou demônios (Odosha); c) usos de amuletos mágicos (Eritrotojo).

A classificação dos ritos pode ser estabelecida em "comunais", "privados" e "individuais". Dos primeiros participam toda a comunidade, guiada pelo A'churi ou Aremi Edamo. São raros e constituem cerimônias vinculadas a eventos como a abertura de uma roça ou inauguração de uma casa.


Os ritos privados são mais numerosos e a quantidade de participantes é variável. Compreendem, por exemplo, a celebração de um nascimento, de uma primeira menstruação ou de uma primeira colheita.

MAIS NUMEROSOS AINDA SÃO
 OS RITOS INDIVIDUAIS, CUJO ÚNICO
 participante é o
 a'churi ou aremi edamo.

Exemplos deles são o exorcismo que acompanha o sopro de qualquer classe de carne que será ingerida por um indivíduo pela primeira vez; ou antes de consumir frutas silvestres; ou para neutralizar as forças malignas alojadas em grandes chuvas ou inundações; para encontrar uma pessoa ou animal perdidos; para a construção de canoas, tecidos e outros objetos. 

Também se consideram ritos individuais os que atuam como medicina mágica preventiva ou curativa, ou ainda «magia negra» (sopro com efeitos letais sobre a vítima).


A "PROMESSA DE YÉ KUANA"...

A cosmologia Ye'kuana tem uma dimensão profética protagonizada pelos xamãs. Além de conhecerem o passado, os xamãs podem ver o futuro, a “Promessa Ye’kuana”.

E o destino é dramático: “primeiro desaparecerão os xamãs, depois os sábios, depois os cantores, quando o último Ye’kuana morrer a terra queimará, os brancos sofrerão muito porque serão muitos, faltará água, as chuvas cessarão”. 

Os Ye’kuana encontrarão Wanadi; mas não há “salvação” para todos na “promessa” Ye’kuana. Assim, o xamanismo é a principal referência para o destino coletivo, em outras palavras, a visão do futuro e do destino Ye’kuana estão relacionados às práticas xamânicas.

Para os mais velhos, as mudanças atuais são contingentes às mudanças dos tempos; segundo eles, um certo descuido de resguardos, bem como de certas dietas e uso de pinturas corporais, colaboram para com o aumento das doenças e fragilização dos jovens. 

Mesmo com uma aparente dose de pessimismo, os problemas atuais confirmam e valorizam as “tradições”, especialmente os xamãs que previram tais mudanças.

Atualmente os Ye’kuana não possuem xamãs em suas comunidades no Brasil, mas existem as parteiras especializadas, cantadores tradicionais e especialistas em plantas mágicas e medicinais.

O contato com os seus xamãs, na Venezuela, acontece tanto por meio de visitas como por consultas via radiofonia. 

Embora contando com uma assistência à saúde permanente em suas comunidades, alguns distúrbios continuam sendo tratados de forma tradicional, com cantos, sopros, usos de plantas, tratamentos estes quase sempre acompanhados por um regime alimentar.